Recentemente eu ando pensando muito na loucura, aquela de
verdade mesmo, que impõe o caos da nossa mente e nos faz ser diferente do que
somos ou gostaríamos de ser. Lembro da minha bisa espanhola com 91 anos e um
sotaque forte assim como a família que esta mulher criou. Meu avô hoje está se
esquecendo aos poucos de coisas importantes, as vezes se esquece de coisas
pequenas... aos poucos, todos nós que tentamos a cada dia, não matar nossa
esperança de um dia melhor, acabamos cansados demais e começamos a acostumar ser outra pessoa, estamos esquecendo de nós e isso vem com a idade.
Somos pessoas diferentes e tudo o que falamos ou sentimos
está ligado a algo, a natureza caótica e inerente a realidade nos faz pensar
que quando estamos sozinhos estamos seguros e por isso talvez tanta gente
resolveu falar de coisas tão importantes sem parar pra pensar tanto nessas
coisas. Pisamos na terra mas não a sentimos. Temos feito isso com nosso eu
interno. Eu quando ando pela rua finjo ser quem eu sou quando estou sozinho
tomando meu banho. Todas essas personalidades que criamos quando estamos sozinhos, todos esses eus
dentro das nossas cabeças são partes importantes da nossa personalidade que
tentamos extinguir aos poucos para nos sentirmos mais pertencentes a esse mundo
de merda que todo mundo reclama.
Filósofos antigos deram a resposta. Devemos nos tornar
quem somos porque um dia inevitavelmente deixaremos de ser. Nem precisamos
morrer pra isso, aos vinte e poucos já tem gente cansada demais. Nas diferenças entre todos nós, eu me pego pensando por exemplo que homens e mulheres tomam banho de um jeito
diferente, a agua escorre diferente pelos corpos despadronizados e parece algo
banal eu pensar no movimento de cabeça de outras pessoas durante o banho, mas
nossa sociedade já decidiu banalizar o próprio mal de uma forma que me incomoda, a ponto de pensar que poucos homens que eu conheço lavam o próprio cu com a
mesma energia que limpam o umbigo por um medo babaca de se tocar em alguns
pontos do próprio eu.
Minha bisa aos 91 anos já não lembrava direito onde morava
e meu vô hoje não tem certeza se já conheceu todos os netos, eu... Eu que já
não sou hoje o homem que era ontem, no mesmo dia me olho no espelho e me sinto
mulher, horas o sexo frágil, horas um mulherão da porra. Num geral, eu estou
fingindo o tempo todo que o mundo não é tão ruim, que não tem geladeiras cheias
de água apenas, que a pessoa me olhando estranho com meu batom vermelho e barba
laranja na esquina de casa talvez não entenda muito sobre fluidez de gênero ou
outras coisas assim, mas mesmo assim essa pessoa queira mudar o mundo pra
melhor e para todos. Talvez ele não pense na banalização do mal, talvez ele não
tenha alguém que ama muito deixando de ser quem é dia a dia, talvez ele só não
perceba isso, talvez ele não esteja bem pra pensar nisso hoje. Tudo bem, cada um
leva seu tempo e luta suas lutas internas. Que um dia a gente consiga conversar
de verdade e tentar entender melhor as pessoas. Afinal, não é possível que só
as vozes na minha cabeça concordem comigo. Enquanto eu continuo andando pela rua com meu batom vermelho e minha barba laranja, na tentativa ingênua de reafirmar ou demonstrar o que sou. Eu sigo deixando de
ser e tentando lembrar quem eu sou.
Escolha melhor as suas batalhas, sobrevivência não é uma
competição.
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